Após lerem a respeito da alimentação natural crua para cães, o professor de Doenças Bacterianas da Escola de Veterinária da UFMG Rodrigo Otávio e outros alunos, dentre eles Carolina Pantuzza e Flávia Viegas, realizaram uma pesquisa sobre a dieta para saber os possíveis riscos que podem ser causados nos animais e nos humanos. O trabalho, feito em duas etapas, durou mais de um ano e os resultados mostram que os cães aos quais se fornecia a alimentação natural crua tinham 28 vezes mais chances de excretar Salmonella spp. e outros microrganismos nocivos em comparação com os cachorros que comiam ração. Além disso, a pesquisa também mostrou que as bactérias patogênicas encontradas nas fezes dos que ingerem constantemente carne crua possuíam um maior padrão de resistência antimicrobiana, ou seja, eram mais difíceis de serem tratadas em caso de uma possível infecção.
Esse resultado foi inovador. Não somente no Brasil, por ser o único trabalho nacional que traça o perfil dos donos que fornecem a alimentação natural crua e que analisa os riscos dessa dieta; mas é também inovador em nível global, pois é a primeira pesquisa sobre esse assunto em que as bactérias como Escherichia coli patogênica e Clostridium difficile foram encontradas em cães alimentados com carne crua, microrganismos que causam diarreia em cães e em humanos.
Em breve, será publicado um artigo sobre a pesquisa. No entanto, o principal objetivo do trabalho, agora, não é apenas circular no meio acadêmico, mas sim informar a população. "As pessoas têm que ter conhecimento dos riscos antes de adotar essa dieta", diz a pesquisadora Carolina Pantuzza. Flávia Viegas complementa, "Chamar atenção não só da população em geral como também dos veterinários" e diz que profissionais que não trabalham na área de nutrição acabam recomendando esse tipo de alimentação acreditando que trará certos benefícios, só que não informam os riscos dessa dieta corretamente, muitas vezes por falta de conhecimento. É necessário, também, desconfiar do que se lê na internet ou se ouve em relatos de conhecidos, pois não existem, até o momento, estudos científicos publicados que comprovem qualquer benefício da dieta.

Descobriu-se que mais de 70% dos que fornecem a alimentação natural crua, fornecem por acreditar que ela se aproxima mais da dieta dos cães na natureza, ou seja, se baseiam na ideia de ser bioapropriada; sobre disso, Flávia Viegas, "mesmo o lobo tendo uma alimentação semelhante com a da dieta, o organismo do cachorro, por ter sido domesticado há tempos, já se diferenciou", tendo perdido certas enzimas digestivas e desenvolvido outras, não sendo portanto considerado mais um carnívoro.
Além disso, o professor Rodrigo Otávio ressalta "o contato de humanos com as fezes é reduzido quando consideramos animais na natureza", no ambiente doméstico, as fezes e materiais contaminados por elas ficam bem mais próximas do animal e do humano, ou seja, o risco de contato com o material fecal é constante.
Outros dados relevantes que foram obtidos na primeira etapa da pesquisa foram: mais de 90% dos entrevistados não veêm risco para o humano, enquanto mais de 80% não vê risco para o cão, apesar de cerca de 30% dos que usam a alimentação natural relatarem morar com pelo menos um indivíduo dos grupos vulneráveis (idosos, crianças com menos de 5 anos, pessoas com baixa imunidade e grávidas). Quando questionada sobre uma possível causa do crescimento na utilização dessa dieta, a doutoranda Carolina Pantuzza responde que podemos relacionar isso com a mudança de hábitos alimentares das próprias pessoas, que tem se preocupado mais com a sua alimentação e começaram a se preocupar com a alimentação do próprio animal.
Na segunda fase do estudo, foi feita a coleta das fezes de cerca de 250 animais; dentre estes, 60 ingeriam carne crua em sua alimentação, enquanto os demais comiam ração. O excremento foi levado para o Laboratório de Anaeróbios da Escola de Veterinária, onde os pesquisadores analisaram as fezes em busca de bactérias patogênicas e compararam os resultados dos dois grupos.