Universidade Federal de Minas Gerais

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Notícia

Entenda como funciona e como é regulamentada a experimentação animal

A utilização de animais em práticas de ensino e de pesquisa tem sido motivo de muitos debates nos dias de hoje. Os limites que devem existir para este tipo de prática e os procedimentos necessários para que animais possam ser utilizados em pesquisas são, muitas vezes, desconhecidos.

Com a aprovação da Lei Arouca (Lei 11.794, de 08 de outubro de 2008), o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, passou a regular e normatizar os procedimentos de experimentação animal no país. O Professor Humberto Pereira Oliveira pertence ao Departamento de Clinica e Cirurgia da Escola de Veterinária da UFMG e, como representante do Ministério da Educação junto ao CONCEA  e membro da CEUA/UFMG,  fala sobre o tema.

Como é feita a regulamentação do uso de animais no Brasil? E na UFMG?
professor Humberto Oliveira: Na atualidade esta regulamentação é feita pelo CONCEA, criado em 8 de outubro de 2008. Portanto, há mais de dois anos este tipo de regulamentação é oficial no Brasil. As normatizações a serem seguidas nacionalmente são distribuídas para as Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAs), que devem estar presentes em todas as instituições que praticam a experimentação animal. As CEUAs são responsáveis justamente por avaliar os projetos de pesquisa e ensino, sob o aspecto ético, obedecendo ao procedimento padrão estabelecido pelo CONCEA. As instituições que desejam realizar experimentos em animais ou utilizam animais no ensino devem se cadastrar no Conselho e, uma vez registradas, irão receber a certificação de que podem se desenvolver e estão se desenvolvendo de acordo com a lei.

Vale lembrar que já existe na UFMG, desde 2000, o Comitê de Ética em Experimentação Animal (CETEA), que passará a ser denominado Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA). Desde 2001 a UFMG vem disciplinando o uso de animais, com base no anteprojeto da Lei Arouca em tramitação na Câmara e no Senado e, inclusive, em procedimentos e instruções de universidades americanas e européias.

Quais normas são estabelecidas para a experimentação animal?
Basicamente, o pesquisador deve obedecer a três critérios básicos.

O primeiro é em relação ao número máximo de animais a ser utilizado na pesquisa. Não é permitido utilizar mais animais que o necessário. Se, por exemplo, 10 camundongos satisfazem uma pesquisa, não é permitido dobrar ou triplicar este número sem uma justificativa. Do mesmo modo, um número muito reduzido de animais pode determinar a inconsistência dos resultados e, assim, invalidar a pesquisa, o que significa ter que refazer o experimento e fazer uso de outros animais. O tipo de pesquisa e a variabilidade prevista para os dados geralmente requerem um bom planejamento estatístico.

O segundo critério é em relação ao bem-estar animal. Todo animal que é utilizado numa pesquisa deve ser submetido a determinados cuidados. Ele não pode sofrer, tem que ser convenientemente anestesiado, no caso de uma cirurgia, assim como receber cuidados pré e pós-operatórios, com relação a analgésicos e antibióticos, por exemplo. Além disso, deve receber alimentação adequada, viver em um ambiente com temperatura controlada e sem barulho ou outros fatores de estresse. Tudo isso diz respeito ao bem-estar do animal, ele tem que ser tratado de maneira a não sofrer danos ou estresse que venham a prejudicar as observações e causar sofrimento.

O terceiro critério diz respeito à substituição da experimentação em animais por métodos alternativos com respostas e repetibilidade confiáveis, com vistas à sua aplicação na saúde humana e animal.

Já existem métodos alternativos? Quais são?
Sim, existem diversos métodos alternativos. Em relação ao ensino, por exemplo, existem métodos que substituem parte dos animais em aulas sobre cirurgias e práticas de farmacologia e de toxicologia, dentre outras. Os professores podem filmar práticas cirúrgicas não mutilantes, sob adequadas condições de assepsia, antissepsia e anestesia, em ambientes cirúrgicos controlados, e exibi-las aos alunos, ao invés de utilizar vários animais. Existem modelos de aula com recursos de computador para farmacologia, cultivo celular em que células que seriam obtidas de poucos animais vivos podem ser cultivadas em laboratório, evitando o sacrifício de muitos animais, testes de toxidez que dispensam animais, vacinas com material recombinante, etc.

Na pesquisa, principalmente da área de cosméticos, muitos animais já foram substituídos por métodos alternativos, como a pele artificial. Há também vários outros casos em que animais já são substituídos por estudos dentro do laboratório com equipamentos modernos. Os métodos alternativos não podem ser definitivos e nem sempre substituem os animais na pesquisa. Na maioria das vezes, reduzem muito o uso de animais, uma vez que algumas respostas podem depender do pleno funcionamento de todos os órgãos do animal para a validação e possível aplicabilidade dos resultados.

Existem penalidades no caso de descumprimento das normas?
Toda lei tem regras a serem seguidas e leva a penalizações, em caso de descumprimento. Dependendo do caso, podem ser aplicadas multas, pode-se proibir o prosseguimento da pesquisa, suspender a certificação do órgão de ensino ou de pesquisa ou descredenciar totalmente as instituições.

Qual é a sua opinião em relação ao sofrimento dos animais em pesquisas?
É melhor pensar a questão desta forma: tudo é feito para que não ocorra sofrimento animal. Os animais devem ser tratados adequadamente, com a manipulação correta, seguindo as normas estabelecidas. Porém, alguns procedimentos como, por exemplo, uma pesquisa sobre a dor, têm que levar o animal a um tipo de desconforto, mas a situação é controlada de modo a não ultrapassar o limiar de dor ou de estresse. Não é possível avaliar um medicamento analgésico ou antiinflamatório sem ser diante de um quadro em que o animal seja submetido à dor, mas ela deve ser controlada e não exceder a necessidade.

Existe no CONCEA a intenção de reduzir efetivamente a quantidade de animais utilizados nas pesquisas?
A lei foi feita para se fazer valer. Ela pretende alcançar a redução do número de animais, o cuidado com o bem-estar e a busca a todo custo por métodos alternativos que respondam de maneira eficiente às pesquisas. O Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA) tem a competência de formular normas relativas ao uso de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica em andamento no País.

Você acredita que o interesse de grandes indústrias, como a de cosméticos, ainda prejudica uma maior atuação de conselhos como o CONCEA?

De certa forma, sim. Porém, grandes empresas já utilizam métodos alternativos para testar batons, outros tipos de maquiagem, bronzeadores, protetores contra raios UV, pomadas dermatológicas e lentes de contato, por exemplo. Se isto não for feito, o próprio público se encarrega de não utilizar determinados produtos, o que acarretaria em grande prejuízo para os fabricantes.

Mesmo com a criação de métodos alternativos o uso de animais continua sendo imprescindível?
Claro, algumas pesquisas não têm como abrir mão do uso de animais, pois muitas delas dependem do metabolismo do animal vivo como um todo. Algumas pesquisas visam descobrir os efeitos planejados para certo produto, mas os outros efeitos (colaterais) só podem ser avaliados no animal como um todo. Assim, o animal vivo é, de certo modo, importante e imprescindível para o ensino e para a pesquisa, principalmente para as pesquisas diretamente relacionadas com a saúde humana. Não há como avaliar totalmente determinados tipos de vacina sem que elas sejam submetidas a desafios que dependem de sua inoculação. Há também alguns materiais voltados para a ortopedia que não podem ser utilizados diretamente em humanos. Por isso, são colocados em animais para testar as reações do organismo.

Não podemos esquecer que existem também pesquisas feitas diretamente em humanos. Elas não são fatais, evidentemente, mas a participação de pessoas também é necessária em alguns processos. Há muitas pessoas voluntárias neste tipo de trabalho.

Em todos os casos, a pesquisa deve ser conduzida com a consciência de que nenhum animal deve ser utilizado de forma irresponsável, sem um bom propósito, em número desnecessário, sem cuidados de bem-estar e quando existem métodos alternativos confiáveis.

Existem animais que não podem ser utilizados em pesquisas? E quais animais são mais comuns?
Existem os animais que respondem melhor a determinados tipos de pesquisa. Os mais utilizados são ratos e camundongos, seguidos de coelhos, hamsters e até mesmo aves. Há o uso de animais maiores, como cães, mas ele vem diminuindo drasticamente nos últimos tempos, o que é bom. Além disso, são utilizados bovinos, caprinos, ovinos, suínos e, equinos em pesquisas sobre melhoramento genético, manejo e nutrição, sem necessariamente envolver estresse ou determinar a eutanásia desses animais. Sem estas pesquisas, não teríamos hoje um rebanho de alta produtividade e economicamente viável.

Existem também pesquisas feitas com a utilização dos animais para benefício dos próprios animais?
Existem muitas pesquisas voltadas para o benefício dos animais de maneira geral, mas principalmente os de companhia. Estes animais se tornaram extremamente importantes para as famílias e existe muita demanda de pesquisas voltadas para eles. Existem também muitas pesquisas voltadas para salvaguardar animais de determinadas doenças, como a raiva ou a aftosa. Uma coisa é certa, a experimentação animal, em princípio, visa beneficiar o homem, principalmente quando se utiliza animais de laboratório. Isto não quer dizer que não existam pesquisas que visem o bem-estar do próprio animal.

Qual é a situação atual do Conselho Nacional?
Apesar de o CONCEA ter sido instituído em 2008, ele ainda está em um período de normatização, criação de regras e estabelecimento de conduta para a experimentação animal no Brasil. O Conselho é resultado de um processo longo, foram mais de treze anos para a aprovação. Esta luta já havia sido vencida há muito tempo nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, e nós ainda estamos no processo de elaboração de normas, tomando por base o que já existe em outros países. O objetivo é fazer com que a lei atinja todos os centros de pesquisa e de ensino, inclusive da rede particular.

As expectativas são boas?
São as melhores possíveis. O Conselho se reúne mensalmente para discutir e estabelecer as normas, em Brasília. Estamos em fase de cadastramento das instituições, mas, até agosto, já estaremos no processo de credenciamento. Neste intervalo já existem algumas instruções normativas para biotérios e para o uso de animais em ensino e pesquisas no Brasil. O cadastramento é obrigatório.

Mais informações sobre o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal podem ser encontradas no site do Ministério da Ciência e Tecnologia.

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