O Brasil é o quarto maior produtor de tilápia no mundo, atingindo em 2023 a marca de 550 mil toneladas. Além disso, nos últimos dez anos, o crescimento médio anual dessa produção é de cerca de 5%. Isso propicia uma demanda elevada por vacinas para a proteção dos peixes contra diferentes doenças infecciosas.
Neste contexto, a principal enfermidade que acomete as tilápias no Brasil é a estreptococose, causada pela bactéria Streptococcus agalactiae. Essa bactéria, que causa elevadas taxas de mortalidade nos sistemas de produção deste peixe, é ainda dividida em diferentes sorotipos, que são variações em alguns antígenos de superfície da bactéria. No caso do nosso país, os sorotipos de S. agalactiae mais frequentes na tilápia são os chamados Ib e III.
No mercado brasileiro já existem vacinas inativadas de Streptococcus agalactiae, licenciadas para uso em tilápia, desde o ano de 2017, contendo cepas dos sorotipos Ib e III. Contudo, estudos prévios feitos no laboratório Aquavet já demonstravam que, além dos sorotipos, também é importante analisar os variantes genéticos das cepas de S. agalactiae circulantes no Brasil, propiciando as bases para a formulação de vacinas com maior eficácia para o cenário epidemiológico brasileiro.
O desenvolvimento da vacina Vaxxon Sa Ib+III
Com objetivo de desenvolver a primeira vacina adaptada ao desafio sanitário das cepas circulantes na piscicultura, a UFMG e a empresa holandesa Vaxxinova firmaram um contrato de parceria para pesquisa e desenvolvimento. Neste estudo foi feito um levantamento epidemiológico completo no país e mais de 200 cepas de S. agalactiae, oriundas de fazendas de todas as regiões produtores, foram isoladas e caracterizadas quanto ao seu sorotipo e variante genético. Esta é a primeira vacina no mundo a usar a base de caracterização genética para a seleção das cepas a comporem a vacina. A caracterização genética foi feita pela técnica de “multilocus sequence typing” (MLST), seguido do sequenciamento genômico completo dos variantes mais relevantes. Como produto final foi desenvolvida uma vacina trivalente, contendo uma cepa de S. agalactiae do sorotipo III (variante genético ST283) e duas cepas de sorotipo Ib, dos variantes genéticos ST1525-Like e ST2222). Ainda, destes três variantes mais prevalentes encontrados no país, é a primeira vez no mundo que o novo variante ST2222 foi descrito, o que demonstra o papel chave da tipagem genética. A partir da seleção destas cepas, coube à empresa Vaxxinova desenvolver a formulação vacinal, que contou com a expertise prévia da empresa no ajuste dos melhores adjuvantes vacinais para a otimização da resposta imune em tilápias. O produto final foi uma vacina trivalente, para uso injetável em peixes juvenis com peso entre 30 e 50 gramas, com eficácia de 71,3% contra o variante genético ST283 (sorotipo III), 85,0% contra o variante ST1525-Like e 82,3%, contra o variante ST2222. Ainda, a vacina foi capaz de induzir imunidade por até sete meses após a sua aplicação, o que protege a tilápia
durante todo o seu período de engorda.
Patenteamento, registro e lançamento da Vaxxon Ib+III
A partir dos resultados de eficácia, segurança e de duração de imunidade da vacina, a Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG (CTIT/UFMG) e a Vaxxinova depositaram a patente da nova formulação no INPI (Instituto Nacional de Proteção Intelectual). Coube também à Vaxxinova o pedido de licenciamento do produto junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), que é órgão regulador para o uso de vacinas veterinárias no Brasil.
Cumpridos todos estes requisitos regulatórios, a empesa Vaxxinova fez o lançamento comercial na nova vacina no evento Aquishow Brasil 2024, que é a maior feira nacional de empresas do ramo da aquicultura, e que ocorreu entre os dias 21 e 23 de maio, em São José do Rio Preto, SP. Os pesquisadores da Escola de Veterinária da UFMG cujos nomes foram registrados como inventores da vacina estiveram presentes no evento: Prof. Henrique César Pereira Figueiredo, professor da Escola de Veterinária da UFMG e coordenador do laboratório Aquavet, Dr. Júlio César Câmara Rosa, Dr. em Microbiologia e pesquisador do Aquavet, e Henrique Lopes Costa, Engenheiro de Aquacultura pela UFMG e aluno de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal.
Tempo recorde de desenvolvimento e oferta comercial da Vaxxon Sa Ib+III
O professor Henrique destaca o tempo recorde para que todo o ciclo de desenvolvimento e registro do produto fosse alcançado. “Em apenas 34 meses de trabalho foi feito contrato entre a UFMG e Vaxxinova, desenvolvimento de todas as etapas da pesquisa e de validação do produto, patenteamento da vacina, registro junto ao MAPA, acordo de licenciamento entre universidade empresa, bem como o seu lançamento comercial”. Isto só foi possível pela dedicação árdua da equipe de pesquisadores do Aquavet, pelo know-how da Vaxxinova na elaboração de vacinas e também pela assessoria da CTIT/UFMG durante todo o processo regulatório de desenvolvimento da tecnologia. “A equipe da CTIT/UFMG nos assessorou de maneira ágil, precisa e altamente especializada em todas as etapas do projeto”, acrescenta o professor.
Formando novas gerações de pesquisadores para a inovação tecnológica
Outro aspecto a se destacar é que o projeto de desenvolvimento da Vaxxon AS Ib+III é também o projeto de tese de doutorado de Henrique Lopes Costa, bacharel de Aquacultura pela UFMG e aluno de doutorado Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, conceito 7 pela CAPES. Além de participar de todos os estudos genéticos feitos no Aquavet, o aluno também executou parte de seus estudos no centro de pesquisa e desenvolvimento da Vaxxinova, em Vargem Grande Paulista, SP, por um período de sete meses, podendo vivenciar a experiência de inovação em empresa privada.
Em relato, o discente descreve a experiência como uma mudança brusca, mas fundamental para compreender a importância de integrar os ambientes e modelos de produção das instituições pública e privada. Além do impacto da vacina no desenvolvimento científico, ele também destacou seu impacto socioeconômico: “a tilápia é um produto que faz parte da alimentação humana e a vacina ajuda na produção de um produto final seguro e de qualidade, o que também aumenta a demanda por funcionários em campos de produção dos peixes e em laboratórios para a produção das vacinas”. De acordo com o estudante, esse impacto na sociedade foi extremamente gratificante: “A maior satisfação de ter feito esse trabalho foi desenvolver um produto que retorna para a sociedade todo o investimento que ela faz na gente [pesquisadores], mesmo que ela não saiba”, conclui.
Universidade e os princípios de ensino, pesquisa e extensão
O desenvolvimento da vacina Vaxxon Sa Ib+III é mais uma demonstração dos princípios da UFMG sendo aplicados pela comunidade da Escola de Veterinária. O projeto reuniu pesquisadores, professores e discentes em uma pesquisa inovadora com impacto considerável na sociedade. A Escola de Veterinária se orgulha em abrigar pesquisadores e construir acadêmicos que promovem mudanças para além das barreiras da universidade. Parabenizamos e agradecemos os pesquisadores da Escola por seu empenho, dedicação e conquista na elaboração dessa vacina!
Equipe
Antônio C. (supervisão e fotografia), Luísa Aguiar (redação) e Prof. Henrique César Pereira Figueiredo (redação)