Veterinário alerta que carrapatos podem sobreviver por até três anos e meio no mato
 
Mesmo que a Prefeitura de Belo Horizonte cumpra a promessa de retirar as capivaras da lagoa da Pampulha até a próxima quinta-feira, o risco de contaminação por febre maculosa na orla vai permanecer se não houver um trabalho a longo prazo. É que o carrapato-estrela, que é o transmissor da doença, pode sobreviver por até três anos e meio no mato, sem a necessidade de se alimentar de parasitas. A explicação é do professor da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais Minas Gerais (original name) Minas Gerais (UFMG) Romário Cerqueira Leite, que participou nesse sábado (19) de um seminário para debater sobre o problema realizado pelo grupo de Epidemiologia e Conservação de Animais Silvestres da universidade.
 
Para cumprir a decisão da Justiça Federal, a prefeitura diz que fará o manejo dos animais até quinta-feira. Apesar disso, o professor Romário Cerqueira destaca que só retirar as capivaras não garante que o local estará livre dos carrapatos. De acordo com o pesquisador, no estágio de larva, a espécie pode sobreviver por até oito meses. Nos casos da ninfa, a resistência sobe para um ano e meio e nos carrapatos adultos, para três anos e meio. “Não é uma ação única, uma decisão que resolverá o problema. É preciso fazer um diagnóstico, com estudos precisos que mostrem ponto a ponto o que tem que ser feito”, afirmou.
 
O professor explica, porém, que os carrapatos possuem muito pouca mobilidade e que, portanto, a retirada das capivaras não faria os transmissores se espalharem por áreas não infestadas. “Seu deslocamento máximo será de 3,5 m, então não existe isso de que retirar as capivaras vá disseminar o carrapato para outras áreas”, explica.
 
Para Cerqueira, qualquer solução para o fim dos carrapatos passa necessariamente pela retirada das capivaras, mas de forma eficaz, que faça com que os animais não retornem. “Apenas uma capivara é capaz de hospedar 2.860 carrapatos. Então, eu acho muito difícil conseguir controlar a possibilidade de contaminação por febre maculosa mantendo esses animais onde pessoas transitam. É um problema sério, até então ignorado pelo poder público e que tem que ser solucionado. Porém não é só retirar, tem que fazer todas as ações para garantir que elas não irão retornar, e tomar medidas para o sequestro desses carrapatos”, disse.
 
Entre as soluções para retirada dos carrapatos estão pulverização de inseticida nas áreas afetadas, atração com cavalos ou uso de gelo seco, já que a liberação de CO² atrai os transmissores.
 
A Prefeitura de Belo Horizonte reafirmou nesse sábado (19) o posicionamento de que está cumprindo a decisão judicial e que irá concluir o manejo das capivaras até a próxima quinta-feira.
 
Acordo. O Ministério Público propôs à Prefeitura de BH a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta para realização e execução de um plano de manejo das capivaras em quatro meses.
 
RETIRADA
Hábitos animais criam obstáculo
A retirada imediata das capivaras da orla da lagoa da Pampulha pode não surtir o efeito desejado de redução dos animais e provocar, pelo contrário, o aumento desses roedores em longo prazo. Essa é umas das possibilidades destacadas pela coordenadora de Biodiversidade do Instituto Estadual de Floresta (IEF), Marina Nery Fernandes. Ela defende que qualquer ação deveria ser precedida de um grande diagnóstico do problema para mapear as possíveis soluções para o problema na lagoa da Pampulha.
 
Marina explica que as capivaras vivem em grupos que dominam grandes territórios, e, uma vez que já estejam estabelecidos, eles tendem a ter um crescimento menor. Quando esses bandos são desestabilizados, pode haver o surgimento de um ou dois grupos menores que terão um ritmo de crescimento muito maior.
 
“Esse é um trabalho que tem que ser feito com muito estudo para solucionar de vez. E, mesmo assim, será necessário fazer um acompanhamento contínuo para saber se o que está sendo feito está dando certo”, disse.
 
Ela também destaca que métodos de castração podem ser prejudiciais. “Se você faz a castração convencional, o macho dominante perde suas características de demarcação de território. Consequentemente, a tendência é o grupo perder as características e haver um novo macho dominante. A castração possível é a vasectomia ou ligadura de trompas, que não alteram os hormônios dos roedores”, destaca.
 
O professor do Instituto de Geociências da UFMG, Bernardo Gontijo, afirma que a retirada sem pensar em formas de evitar que novos roedores cheguem ao local pode não surtir refeito. “Há várias regiões próximo a lagoa de onde as capivaras podem migrar novamente para orla”, diz.
 
SAIBA MAIS
Mortes. Em Belo Horizonte foram confirmados dois casos de febre maculosa neste ano. O primeiro foi o do garoto Thales Martins, 10, que morreu dias depois de um passeio no Parque Ecológico da Pampulha. O segundo foi o de um homem de 54 anos, funcionário da Aeronáutica, que teve contato com o carrapato na orla da lagoa. Esta ocorrência foi registrada em julho, mas só foi divulgada no fim de setembro, após a repercussão da morte do garoto.
 
Suspeita. Outros 15 casos de contaminação pela doença na capital mineira são investigados pela Fundação Ezequiel Dias (Funed).
 
*Romário Cerqueira Leite é professor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de Veterinária da UFMG.
 
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