Defensores dos animais pedem que espécies usadas como cobaias não sejam alvo de práticas abusivas
Desde que o médico e fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878), autor de Introdução ao estudo da medicina experimental, começou a defender a lógica do uso de cobaias, não se pode fazer ideia de quantos animais já foram sacrificados pela ciência. A maior parte dos pesquisadores acredita que o homem hoje só tem vivido mais e melhor por causa dos experimentos em laboratórios. De acordo com a organização norte-americana Fundação para a Pesquisa Médica, a evolução da expectativa de vida se deve a pesquisas com animais – o salto foi de 47 anos em 1900 para 75 anos em 1985 nos Estados Unidos. No Brasil, o aumento foi de 25 anos de 1960 a 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, cresce o número de combatentes em defesa dos bichos. São ativistas que creditam à longevidade o estilo de vida, a hereditariedade e o meio ambiente. A partir da força opositora, surge uma nova consciência: comitês e conselhos de ética se espalham pelas escolas biomédicas de Minas para coibir abusos e garantir o bem-estar da população animal a serviço da salvação humana. Na Universidade Federal de Minas Gerais Minas Gerais (original name) Minas Gerais (UFMG), cientistas, professores e alunos mantêm espaço aberto para o diálogo e se mostram atentos aos cuidados que envolvem a polêmica.
A médica-veterinária Maria Carolina Paiva, de 33 anos, trabalhou duro pela graduação na UFMG. Foram cinco anos mergulhada no aprendizado prático e teórico da vida dos animais. Dos momentos mais difíceis na academia, as visitas aos frigoríficos e alguns experimentos com camundongos. “Já coloquei muito rato no bolso do jaleco para que ele não fosse sacrificado em sala de aula. Depois o devolvia, com vida. Havia um experimento em que um líquido era aplicado no cérebro e o rato perdia o equilíbrio. Nunca quis ficar para o procedimento. Nunca dei conta de participar disso.”
Depois de manter clínica para pequenos animais na Região da Pampulha, Maria Carolina decidiu trabalhar apenas com a alegria dos filhotes. “A veterinária está na minha vida como sempre esteve. Hoje, porém, como criadora de cães. É uma opção. A academia me deu conhecimento, me ensinou caminhos: cuidar do meio ambiente e estar mais perto dos animais. É essa a parte da veterinária de que mais gosto.”
Ciência
Opção diferente da professora Adriane Pimenta da Costa Val Bicalho, de 47 anos, do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias da mesma escola que formou Maria Carolina. A doutora, casada, mãe e com quatro cães e um hamster em casa, abraçou o ensino e há 22 anos trabalha pela formação e ética de novos profissionais do ramo. “Também sou ativista da causa animal. No entanto, entendo que o uso do animal para a ciência, com ética, ainda é necessário. Pode ser que daqui a algum tempo, com o surgimento de lternativas, isso mude. Já tem mudado muito.”
Ela conta que, desde a conclusão do curso, já ocorreram grandes mudanças e que, quando aluna, não entendia como sacrificavam um cachorro para cada cinco alunos. “Os animais vinham da PBH, da carrocinha. As pessoas foram questionando e isso mudou. Outra prática que me incomodava era a de um estilete colocado na nuca das rãs para que elas pudessem ser dissecadas sem dor. Houve uma mudança na prática do uso não racional para o uso racional.”
As pessoas, fora da academia, não estão bem informadas em relação às práticas em laboratório –
Comitê não aprova abusos
Segundo a professora Adriane, as práticas atuais já são muito mais cuidadosas. Ela comenta a existência de modelos animais, manequins, para o ensino de procedimentos cirúrgicos. Desde cadáveres, conservados especialmente para a prática, aos bichos de pelúcia. Computadores, simulações e situações reais filmadas também auxiliam os estudos da disciplina.
Sobre as manifestações contrárias ao uso de animais pela ciência, a professora lamenta a falta de informação. “As pessoas, fora da academia, não estão bem informadas em relação às práticas em laboratório. Para lidar com os ativistas é preciso que haja diálogo. Muitas vezes, infelizmente, não é o que ocorre. Outro dia, uma pessoa publicou uma foto nas redes sociais de um cachorro no hospital com informações equivocadas, causando grande revolta. Não era nada daquilo. Ele estava em tratamento.” Para a professora, é preciso mais responsabilidade também na defesa dos animais. “Hoje, o Comitê de Ética no Uso de Animais (Ceua) não aprova o seu projeto de pesquisa se ele for considerado abusivo”, ressalta.
“O que os extremistas não entendem é que sem os animais haveria uma série de problemas comuns, como dores de cabeça, de dente, entre tantas outras, sem remédio.” Como Maria Carolina, hoje criadora de cães, a professora Adriane não esconde sua opção científica mais particular: “Não faço experimento que vai acabar em eutanásia para o animal. É uma opção pessoal. Há um mundo inteiro para ser descoberto. Posso também trabalhar com pesquisas que não exigem o sacrifício”, diz.
Absurdos
Um aluno da Escola de Veterinária, com receio de problemas com colegas e professores, pede para não ser identificado. Diz que entende a importância do uso de animais para as aulas práticas, mas lamenta os abusos e a falta de respeito pelos animais por parte de algumas pessoas. “Muita gente ‘coisifica’ a vida animal. Já testemunhei absurdos com ratos e rãs em experimentos que podiam ter sido mostrados em vídeo. Já ouvi de professor que não era para ter dó, porque os animais estão lá para isso mesmo. Não pode ser assim”, critica.
Adriane Pimenta da Costa Val Bicalho, é professora do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da Escola de Veterinária da UFMG, e defende o uso responsável e ético dos animais em experimentos científicos enquanto não existirem outras alternativas.