Em 1982, o então residente de Medicina Social da Universidade Federal de Minas (UFMG) Marcio Antônio Moreira Galvão partiu para Grão Mogol, cidade ao norte do Estado, para ajudar na investigação de uma epidemia misteriosa, que tinha matado oito pessoas até aquele momento. De início, suspeitou-se de febre tifoide, doença bacteriana transmitida por água e alimentos contaminados.
Depois , Galvão direcionou sua trajetória profissional para o tema, especializando-se na epidemiologia da febre maculosa e das chamadas rickettsioses e em acidentes causados por animais peçonhentos.
De acordo com ele, um dos motivos para vermos a volta de surtos de doenças preocupantes está relacionado à interferência humana no meio ambiente. Afinal, muitos animais, que frequentemente são reservatórios de vírus, bactérias e outros micro-organismos, acabam perdendo seus habitats naturais e chegando cada vez mais perto das grandes cidades.
O Estadão conversou com o médico, que é professor doutor titular aposentado da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), sobre os recentes casos de febre maculosa na zona rural de Campinas, em São Paulo.
A situação observada na região da Fazenda Santa Margarida, no distrito de Joaquim Egídio, em Campinas, saiu fora da curva ou está dentro da normalidade no que diz respeito à epidemiologia da febre maculosa?
Toda vez que temos um surto de febre maculosa acho que gera comoção porque, em geral, atinge pessoas saudáveis de diversas faixas de idade. Mas o que tem chamado a atenção nessa região específica de São Paulo é a alta taxa de letalidade, ou seja, a quantidade de óbitos em relação ao número de casos confirmados até agora. Por isso, nessa localidade, ou seja, ao redor da Fazenda Santa Margarida, a situação está fora da curva, considerando o que se vê no Estado de São Paulo como um todo.
Qual o papel das capivaras nessa história?
Elas são amplificadoras do problema, porque podem carregar em seu corpo os carrapatos das espécies Amblyomma sculptum e Amblyomma dubitatum, capazes de transmitir a febre maculosa caso estejam contaminados com bactérias patogênicas do gênero Rickettsia.
No Pantanal, elas andam em grupos de 25, 30 animais. Aqui, são bandos de 60 ou mais capivaras. É importante fazer um grande estudo ambiental e pensar no manejo desses animais, ainda mais em áreas com excesso de capivaras. Mas não podemos perder de vista que o animal não é o culpado. Os grandes responsáveis mesmo são o vetor da doença, isto é, o carrapato, e o homem, que vem agredindo o meio ambiente.
A gente tem visto muitas orientações individuais para evitar a doença, como colocar a calça para dentro da bota ao andar em áreas de risco. Essas medidas são capazes de barrar o surto?
São atitudes importantes, mas só isso não resolve a questão. Não adianta também só colocar placa na região do surto e pedir cuidado com as capivaras. Minha preocupação é com o que está no chão, no solo. Acredito que seja importante ter uma quarentena nessa área, cancelar os eventos ali. E, aí, avaliar os animais, o pasto, a vegetação… É preciso estudar cuidadosamente as características desse surto.
Além disso, é essencial divulgar essas ocorrências para a população e informar os médicos sobre a doença. Se suspeitar do quadro, de acordo com os relatos do paciente, tem que tratar rapidamente. Muitos médicos não conhecem a doença e não sabem o que fazer porque, durante quase 40 anos, houve um silêncio epidemiológico e o quadro foi pouco divulgado.