Até os 66 anos, Marluce Bittencourt não tinha lá muita estima por animais domésticos. “Tinha pavor quando chegava na casa de alguém e eram os cachorros que vinham me receber”, confessa ela. Nada que o tempo não pudesse mudar – e radicalmente. Há 17 anos, caminhava com sua caçula, Olivia, quando passaram em frente a um pet shop. A moça logo se encantou com os bichinhos que viu na vitrine e quis mostrar para a mãe.
“Eu, com muito pouco caso, olhei. E, para minha surpresa, achei eles bonitinhos mesmo”, comenta, rindo. Entre os cãezinhos que lá estavam, havia um que, com “olhar terno e meigo”, conquistou Marluce. “Foi amor à primeira vista”, conta. Geraldinho, como foi
batizado, acompanhou sua dona por 17 anos. Hoje, ainda sentida pela morte do amiguinho, ela é só gratidão pelo pequeno companheiro. “Envelhecer ao lado dele foi a melhor coisa do mundo! Mudou tudo na minha casa, na minha vida”, diz, convicta dos
benefícios que o pet trouxe para si.
Essa sensação de bem-estar que a chegada de Geraldinho proporcionou a Marluce, digase, é exemplo de uma relação que vem sendo estudada há décadas – e já é possível encontrar evidências de que, sim, os pets podem trazer benefícios para a saúde de pessoas idosas.
Por meio da companhia, a interação com esses animais, afinal, contribui para a socialização e o bem-estar social e até mesmo cardiovascular – como apontam diversos estudos recentes e também foi notado por Sônia Maria, 64. A enfermeira aposentada acredita que seus três cachorrinhos têm um quê de responsabilidade na recuperação de sua mãe. Explica-se: Geralda Maria, 84, quebrou o fêmur há três anos e sua melhora, assegura a filha, teve como motivação o desejo de oferecer cuidados básicos para os pets.
Atividade física
E não foi só a dona Geralda que encontrou nesses animais verdadeiros aliados à saúde. “Com eles, eu não envelheci, eu rejuvenesço!”, brinca a bem disposta Sônia. Seus dias costumam ser movimentados. Pela manhã, ela faz três passeios diários, levando um cachorrinho por vez, “para evitar risco de fuga”. A tutora estabeleceu a seguinte ordem: primeiro caminha com o Fofinho, que tem apenas 2 anos e é o mais animado deles. Quando o caçula cansa, é a vez de andar com o mais debilitado, o pequinês Toquinho, já com 13 anos e que não pode andar tanto assim. O último passeio do dia é com o Tiquinho, de 8 anos.
Embora nunca tivesse pensado muito nisso, Sônia reconhece que essa rotina de caminhadas diárias trouxe, para ela, maior qualidade de vida. “Faço isso, assim, espontaneamente, para cuidar deles”, comenta, ao notar, pela primeira vez, que, assim, cuidava também de si. Imediatamente observou que o trio trouxe outras vantagens, indiretamente. “Não tem jeito de guardar estresse, de ter um dia angustiada! Eles não deixam, porque percebem se você começa a ficar meio para baixo e sacodem a gente”, elogia.
Testemunha de que os bichinhos podem mesmo ser ótimos aliados à terceira idade, Fábio Augusto, 58, adotou o primeiro cachorro aos 29 anos. O motivo? “Minha avó estava bem idosa, debilitada e desanimada. Imaginei Que um animal de estimação daria boa 20 companhia para ela”. E assim foi. Com a chegada, novos ânimos se instauraram na casa, e dona Lucila voltou a fazer tricô, sempre com o novo xodó ao lado. “Se não fosse o cachorro, ela teria piorado muito rápido”, avalia ele.
Terapêutico
Histórias como essas são acompanhadas rotineiramente pela psicóloga e secretária adjunta da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Valmari Cristina Aranha. Ela, por sinal, vê com bons olhos a adoção de animais por pessoas na terceira idade. “Há casos de idosos que, entrando em quadros depressivos, se queixam de não terem por que se levantarem todos os dias. A responsabilidade de cuidar de um pet, portanto, se torna um mobilizador”, observa.
Outro aspecto em que os donos de animais de estimação acabam sendo favorecidos é na socialização. “Aqueles que perderam vínculos, quando passeiam com seus animais acabam interagindo com mais pessoas, que vão querer brincar o pet, que vão trocar telefones de veterinários… Então, acaba que isso se torna um espaço de inserção do idoso, que passa a pertencer a um grupo”, afirma Valmari. E, claro, as próprias caminhadas acabam se tornando um exercício físico diário. “O que é ótimo, já que, quando sedentário, o idoso costuma apresentar grande perda de massa muscular”, examina.
Interação é muito benéfica, mas exige cuidados
Se não restam dúvidas de que animais de estimação podem ser bons amigos da saúde de pessoas na terceira idade, há uma série de ressalvas e cuidados que se deve tomar ao adotar um pet.
“Já vi alguns casos de idosos que deixam de sair, de viajar, de ir à missa porque têm medo de deixar seus animais sozinhos em casa”, observa Júnia Maria Menezes, médica veterinária do Hospital Veterinário da UFMG. Ela alerta que, muitas vezes, esses bichinhos acabam sendo tratados como crianças, mas que é fundamental entender que eles são mais independentes e, portanto, podem ficar sozinhos por um certo período – obviamente, desde que guarnecidos de água e ração.
Além disso, “os pets se tornam fonte de prazer, pois não te cobram nada, não te acusam de nada”. Por essa razão, pode ser que um tutor que já tenha perdido vínculos acabe preferindo apenas a companhia do animal, colocando em risco as habilidades de socialização do idoso. Outro fator sobre o qual Júnia Maria chama a atenção é para o luto, em caso de perda. “Ao adotar, é importante entender que os animais têm uma expectativa de vida mais curta e estar preparado para a morte”, salienta.
A aposentada Marluce Bittencourt, aliás, passou pela dor da despedida. Geraldinho foi seu cão de companhia por 17 anos. Quando ele morreu, foi um baque para ela. O animal se tornou tão importante que, na mesinha da sala, além de fotos da família, ele também tem seu lugar reservado.
Hoje, apesar de confessar ainda ter saudade, precisa se ater aos cuidados com o mais novo membro da casa: Miguel, seu mais novo cachorro – que, entre outras coisas, já devorou um vestido, rasgou cortinas e destruiu vasos de plantas. “Mas, mesmo assim,
gosto dele”, garante ela. O cachorrinho, afinal, dá trabalho, mas também empresta movimento e barulho à sua casa. E é exatamente o que ela procura. “Eu desabafo com ele, que fica me olhando, com os olhos redondinhos, parece até que fica se compadecendo”, diz, emendando que acha que, no futuro, esses animais vão até falar.
Quem também já passou pelo luto da perda de um pet foi Edy, mãe do comerciante Fábio Augusto. Agora, aos 80 anos, ela voltou a conviver com um cachorrinho, Dundun, que o filho trouxe para o apartamento em que vivem.
Ele, no entanto, sabendo das debilidades da mãe, só deixa animal acessar as áreas comuns quando está em casa. “Ela tem dificuldade para andar, e o cachorro é muito custoso, poderia derrubá-la”, situa.
Esse cuidado que Fábio tem com a mãe, por sinal, é ponto comum nos apontamentos de Júnia. Para ela, é preciso cuidado, pois, alguns animais, na ânsia de acompanhar seus donos, podem provocar tombos e ocasionar infortúnios.
Estudos revisam velhos paradigmas
Já faz um tempo que censos mostram tendência de encolhimento nas taxas de natalidade. Por outro lado, a expectativa de vida é cada vez maior. Com isso, dá para dizer que é para breve uma mudança estrutural das populações: estima-se que, até 2030, a quantidade deidosos deva ser maior que a de crianças e adolescentes. O interesse em encontrar caminhos para que a qualidade de vida dessas pessoas seja melhor é, sem dúvida, cuidado com o próprio futuro.
Assim, as evidências de que pets trazem benefícios à terceira idade já têm mudado paradigmas. “Se antes era incomum permitir a entrada de um pet em um hospital, hoje já há mais abertura”, avalia Valmari Aranha, psicóloga e membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
A profissional pontua que, hoje, alguns cães treinados chegam a entrar até mesmo em UTIs e são também mais comuns em casas de repouso. “É notável como o comportamento desses idosos muda na presença do animal”, indica.
Com cada vez mais indicativos de que a companhia dos animais leva a melhora nos quadros de saúde de pessoas na terceira idade, práticas como a Terapia Assistida por Animais, ou Pet Terapia, ganham mais adeptos. Nesse caso, a interação com felinos, equinos, bovinos e, principalmente, cães visa, essencialmente, à melhora de funções físicas, mentais e sociais da pessoa atendida.
* Júnia Maria Menezes é médica veterinária do Hospital Vetrinario da UFMG.